<i>“Caos Controlado”</i>

Ângelo Alves

Tudo não passa de uma gi­gan­tesca e hi­pó­crita cam­panha

Quando no pas­sado fim-de-se­mana se as­si­na­lava o Dia In­ter­na­ci­onal da Paz caças fran­ceses bom­bar­de­avam ter­ri­tório ira­quiano dando se­gui­mento à ofen­siva mi­litar anun­ciada pelos EUA para ale­ga­da­mente com­bater o cha­mado «Es­tado Is­lâ­mico». Na pas­sada terça-feira os planos norte-ame­ri­canos e dos seus ali­ados na re­gião tor­naram-se ainda mais claros. A acção mi­litar es­tendeu-se, como já era pre­vi­sível, a ter­ri­tório sírio. Apoi­ados pelas di­ta­duras do Golfo, pela NATO e por Is­rael, os EUA avançam, mais uma vez na His­tória, para uma vi­o­lação gros­seira do di­reito in­ter­na­ci­onal e da so­be­rania de um Es­tado sem qual­quer man­dato da ONU, ten­tando mas­carar a sua ilegal acção com um «aviso prévio» à Síria pelos ca­nais di­plo­má­ticos das Na­ções Unidas. En­tre­tanto Is­rael abate um avião sírio nos Montes Golã, ocu­pados ile­gal­mente por Is­rael, dando um claro sinal do que está em causa com esta nova guerra no Médio Ori­ente.

O im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano enche a boca com a cam­panha do com­bate ao feroz, bár­baro e im­pa­rável «Es­tado Is­lâ­mico» e aos «ra­di­cais». A pa­ra­nóia dos «Jiha­distas» es­pande-se por todo o Mundo, che­gando até a Por­tugal, ima­gens de re­féns cir­culam por todo o Mundo, as cé­le­bres de­go­la­ções es­can­da­lizam a opi­nião pú­blica mun­dial. O «ci­vi­li­zado» oci­dente de­clara guerra ao ter­ro­rismo e aos «bár­baros». Mas tudo não passa de uma gi­gan­tesca e hi­pó­crita cam­panha me­diá­tica que visa dar co­ber­tura a uma es­tra­tégia que nada tem a ver com a de­fesa dos di­reitos dos povos. Dei­xamos aqui apenas dois ele­mentos que com­provam o grau de hi­po­crisia e de ma­ni­pu­lação de tal es­tra­tégia.

O pri­meiro são as gi­gan­tescas men­tiras sobre a sú­bita pre­o­cu­pação com o «Es­tado Is­lâ­mico» que, do nada, se trans­formou numa das mai­ores ame­aças glo­bais. É im­por­tante su­bli­nhar que o nas­ci­mento do ISIS (sigla do es­tado is­lâ­mico do Iraque e do le­vante, agora re­no­meado «es­tado is­lâ­mico») está li­gado a dois im­por­tantes fac­tores: a es­tra­tégia dos EUA de ins­ti­gação à di­visão sec­tária entre su­nitas e xi­itas no Iraque, e – muito im­por­tante – as ma­no­bras cons­pi­ra­tivas e de in­ge­rência contra a Síria que re­sul­taram na cri­ação do «Exér­cito Sírio Livre» que con­grega mer­ce­ná­rios, agentes e com­ba­tentes es­tran­geiros e que nas suas fi­leiras in­tegra ou in­te­grou or­ga­ni­za­ções ter­ro­ristas como a Frente Al-Nusra e o ISIS. Um «exér­cito» que teve como um dos seus prin­ci­pais «di­ri­gentes» Ibrahim al-Badri, o ac­tu­al­mente co­nhe­cido «ca­lifa» Abu Bakr al-Bag­dadi, o «chefe» do «Es­tado Is­lâ­mico». As li­ga­ções de Al-Bag­dadi aos ser­viços se­cretos oci­den­tais e turcos são re­fe­ren­ci­adas em vá­rios re­latos, e se dú­vidas hou­vesse bas­taria a fo­to­grafia ti­rada em 2013 de uma reu­nião se­creta entre John Mc-Cain (um dos fal­cões norte-ame­ri­cano) e Al-Bag­dadi, então in­te­grante do nú­cleo di­ri­gente do Exér­cito Livre Sírio, para dis­sipá-las. Ou seja, os EUA dizem hoje com­bater uma or­ga­ni­zação que foi fi­nan­ciada e ar­mada pelos pró­prios EUA, pela Arábia Sau­dita, Qatar e Tur­quia e cujos «efec­tivos» foram trei­nados em campos de treino na Tur­quia e na Jor­dânia.

O se­gundo ele­mento é o dis­curso em torno das atro­ci­dades co­me­tidas pelo «Es­tado Is­lâ­mico». Mas também aqui im­pera a men­tira e a hi­po­crisia. Os EUA dizem não to­lerar as de­go­la­ções, mas to­le­raram e apoi­aram or­ga­ni­za­ções que as fi­zeram em massa na Síria, que aí se­me­aram o terror bom­bista e levam a cabo au­tên­ticos mas­sa­cres. Sobre esses crimes nem uma pa­lavra, tal como re­la­ti­va­mente às 600 cri­anças mortas na Pa­les­tina em 59 dias por Is­rael ou sobre o caos em que está mer­gu­lhada a Líbia. Isto porque o que move os EUA e seus ali­ados é tão so­mente um ob­jec­tivo: vergar a re­sis­tência Síria «em­pur­rando» para este país o «Es­tado Is­lâ­mico» e com isso jus­ti­ficar aquilo que até agora não ti­nham con­se­guido, levar a guerra di­recta à Síria, di­vidir este país e também o Iraque e, por via da di­visão, manter o do­mínio da re­gião numa si­tu­ação de «caos con­tro­lado».




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